quarta-feira, julho 27, 2005

 

BILLY WILDER


Há poucas cenas tão irónicas do glamour do cinema quanto o vestido de Marilyn Monroe sendo levantado pelo respiradouro do metrô em O Pecado Mora ao Lado. No entanto, nem todo mundo conhece Billy Wilder, o gênio cômico por trás desta criação. E, os que conhecem, não lhe dão o devido respeito - sua biografia reserva um capítulo no qual ele se safa da ira russa na Alemanha pós-guerra ao ser congratulado pelo drama Rosa de Esperança. E o Resto é Loucura, do alemão Hellmuth Karask, é repleta de anedotas similares - emblemáticas e bem-humoradas, como convém à personalidade do biografado. É uma jornada sobre a carreira deste cineasta fenomenal, com uma leve percepção da mise-en-scéne que sucedeu Ernst Lubitsch (para quem escreveu vários roteiros) e uma verve para diálogos ferinos que antecedeu Woody Allen (a quem Wilder adora, “quando ele não tenta ser Ingmar Bergman”). Neste meio de campo dos anos 40, 50 e 60, Wilder foi responsável por sucessos como O Pecado Mora ao Lado, também com Monroe; Se Meu Apartamento Falasse, que lhe rendeu o Oscar; e Sabrina, mãe de todas as comédias românticas como hoje as conhecemos.
O livro é baseado em um longo trabalho de entrevistas de Karask junto a Wilder, pouco antes do biografado falecer, em 2002. Entre os dois, surge uma adorável amizade, e, mais ainda, um gostoso jogo de aparências como só Wilder saberia tecer – é o tema predileto e mais constante de sua filmografia. O diretor conduz o autor (e, por extensão, o leitor) na direção que deseja, passeando pelas próprias memórias como as quer contar, e não como elas de fato parecem ter ocorrido. É um artifício humorístico e Karask sabiamente não tenta obstruí-lo, estendendo a Wilder aspas que geram capítulos inteiros. Praticamente todos os seus filmes recebem um para si, bem como a maioria das estrelas com quem trabalhou e que fazem parte do imaginário da sétima arte - Monroe, Bogart, Dietrich. Karask apenas vai pontuando informações (“Billy Wilder foi o homem mais engraçado que já encontrei. Eu o amava, mas infelizmente percebemos isso muito tarde”, lhe confidencia Marlene Dietrich, dez meses antes de morrer).
Parte da força e da elegância que propulsiona qualquer cinéfilo com facilidade pelas 500 páginas de E o Resto é Loucura é esta ambigüidade de um jornalista que, em momento algum, tenta isentar-se da fonte. Conversando diretamente com Wilder, Karask tem a oportunidade de iluminar trechos menos conhecidos de sua vida e filmes menos populares de sua carreira. Acompanhamos, com impaciência, a fuga de Wilder do nazismo, de sua Viena à Paris e Berlim e, de lá, aos EUA e à fama. Rimos com a entrevista de Sigmund Freud ao então jornalista Wilder; choramos com o a morte de sua mãe em um campo de concentração; nos assustamos com sua descrição da Berlim arrasada no Pós-Guerra e com a perseguição aos comunistas em Hollywood.
Entende-se, assim, o certo pessimismo que emana de seus filmes menos apreciados publicamente – o matador Pacto de Sangue, colaboração de Wilder ao noir; o quase niilista Farrapo Humano, primeiro longa a abordar o alcoolismo; ou o fundamental Crepúsculo dos Deuses, considerado até hoje a maior crônica das ilusões de Hollywood. Claro que, mesmo diante de tais obras-primas, o perfeccionista Wilder se esquiva e só acata suas origens melancólicas, inconscientemente, com uma de suas muitas piadas um depressivo vai ao médico pedir ajuda. O especialista lhe recomenda que vá ao circo ver Grock, o palhaço mais hilário que ele conhece. O paciente responde: “Doutor, eu sou Grock!”.
O mérito de E o Resto é Loucura é mostrar que Wilder é, sim, Grock. O demérito é recusar-se a acreditar que ele é outra coisa senão Grock. Fã confesso, Karask intervém na narrativa sempre justificando um filme ou outro de Wilder que não deu certo. Escolhe bodes expiatórios com facilidade (o público, a época, o estúdio) mesmo quando Wilder admite culpa exclusiva. E olha que houve muitos fracassos na vida do diretor, especialmente após o ápice Se Meu Apartamento Falasse. Nesse trecho final, na busca por tais consolos, Karask perde a oportunidade de também ressaltar importância de Irma La Douce, Fedora e mesmo A Vida Íntima de Sherlock Holmes – que Wilder considera seu longa mais pessoal, e que, como parece comum entre filmes de tal qualidade, quase o arruinou financeiramente.
Como o livro foi concluído com Wilder ainda vivo, Karask dedica o último capítulo a um leilão no qual o cineasta desfaz-se, com prazer de criança e numa espécie de catarse retrospectiva, de sua coleção de arte. Duas cartas acrescidas posteriormente, porém, fazem as vezes de homenagem in memorian. A primeira é de Steven Spielberg, agradecendo os elogios que Wilder fez a A Lista de Schindler. “Vejo-me como um proeminente representante de dez mil colegas (...) que são da opinião de que em todo mundo não há ninguém melhor do que você”, diz Spielberg. A segunda é a réplica mordaz de Wilder: “Quando morrer, quero que sua carta seja lida por uma voz bem singela. (...) Nada de flores. Nada de música vienense. Nada de discursos empolados. Apenas sua carta”. Como o texto, a assinatura, já torta da velhice, antevê a morte desse gênio do cinema – a quem a carta de Spielberg, no fundo, não era homenagem o suficiente. E o Resto é Loucura, pelo menos, ajuda.

Faleceu no dia 27 de Julho de 1981.

Posted by Picasa

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