sábado, novembro 19, 2005

 

ANTONIO CHAINHO


Posted by Picasa Quando saíu da tropa, estava decidido que o seu destino seria a guitarra portuguesa.
Corriam os anos sessenta e António Chaínho, alentejano e no vigor dos vinte anos, logo demonstrou o seu virtuosismo nas doze cordas.
Para trás ficava o café dos pais, em São Francisco da Serra (Santiago do Cacém), onde, aos oito anos, se tinha iniciado nas lides.
O pai manejava a guitarra, pousada sobre a mesa de bilhar e sempre à disposição, com destreza; e o filho, aos treze anos, já se apresentava em público.
Inspirado em mestres como Armandinho, estreia-se na casa de fados A Severa, em meados dos anos sessenta, a que se seguiram actuações n'O Faia, n'O Folclore e no Picadeiro, de que aliás seria proprietário e onde foi dando azo ao seu amor pela guitarra portuguesa, acabando por formar o seu próprio conjunto de guitarras.
Mas é quando acompanha Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Carlos do Carmo, Francisco José, Tony de Matos, António Mourão, Frei Hermano da Câmara ou Hermínia Silva que Mestre Chaínho começa a deixar marcas na história da guitarra portuguesa.
Ela seria a sua noiva para o resto da vida.
E, desde aí, não se cansou de a mostrar ao resto do mundo.
Estava há três anos em Lisboa quando a Emissora Nacional o convida para um programa de rádio -- “Fados e Guitarradas” -- em que actua, ao vivo e em directo, com o seu conjunto.

Nele se agrupavam guitarristas como José Luís Nobre Costa e tocadores de viola como Raúl Silva e José Maria Nóbrega.
Para quem tinha aprendido a tocar a guitarra de ouvido colado na telefonia, tinha chegado a vez de ser considerado um dos seus primeiros executantes enquanto autor de memoráveis recitais de guitarra transmitidos pela rádio em Portugal.
É por essa mesma altura, em finais dos anos sessenta, que grava o seu primeiro disco, o EP “Solos de Chaínho”, para a já extinta editora Rapsódia, seguindo-se mais três discos no mesmo formato para outras companhias discográficas.
O orgulho na sonoridade da guitarra portuguesa levou-o no entanto a inverter posições.
E se o protagonismo de um recital não pertencer tanto à voz como ao dedilhar de uma guitarra? Porque não hão-de os holofotes incidir no canto de um dos mais brilhantes instrumentos portugueses? As guitarras não têm que gemer sempre baixinho e António Chaínho assume por isso o risco de enveredar por uma carreira a solo.
Com a modéstia que é reconhecida aos grandes, chama os maiores artistas para cantar consigo, confirmando que a sua missão é levar pelos quatro cantos do mundo a sua amada.
Actua então em recitais por todo o mundo: a solo ou dividindo o palco com Paco de Lucia ou John Williams; em concertos isolados ou em festivais dedicados à guitarra como aconteceu em Córdova. E abre uma nova frente ao iniciar uma discografia em nome próprio com o álbum “Guitarra Portuguesa” e um segundo disco gravado com a Orquestra Sinfónica de Londres, abraçando decididamente uma carreira discográfica, exclusivamente composta por temas originais, agora com o selo Movieplay.
Num mesmo movimento explora novas direcções para o fado. Toca guitarra portuguesa no álbum “Fura Fura” de José Afonso e, com Rão Kyao, participa no álbum “Fado Bailado”. É altura de experimentar o contacto com outras culturas e abre a guitarra portuguesa à voz de cantoras como as brasileiras Gal Costa e Fáfá de Belém, a espanhola Maria Dolores Pradera e a japonesa Saki Kubota. Os convites sucedem-se e tomam formas insondáveis para quem não partilha o gosto pela reinvenção constante da guitarra portuguesa. Na colectânea “Red Hot + Lisbon”, acompanha a norte-americana kd lang no tradicional “Fado Hilário”.
Em 1998, já não consegue esconder a sua paixão e grava “A Guitarra e Outras Mulheres”, onde é acompanhado por Teresa Salgueiro (Madredeus), Marta Dias, Filipa Pais, Ana Sofia Varela, Elba Ramalho ou Nina Miranda (Smoke City), e por alguns dos músicos mais prestigiados da “downtown” de Nova Iorque (Bruce Swedien, Greg Cohen, Peter Scherer). A sua dedicação e talento são finalmente reconhecidos e o disco vende mais de vinte mil cópias, tornando-se uma referência na arte de bem tocar a guitarra portuguesa.
Mas é no Brasil – uma das suas paixões -- que reencontra um brilho por ventura perdido e restabelece a ligação entre a música brasileira e a portuguesa. Com Celso Fonseca e Jaques Morelenbaum, habitual arranjador de Caetano Veloso, protagoniza o álbum “Lisboa – Rio”, cruzamento da tradição portuguesa com alguns clássicos da música brasileira. Sabendo da vocação universal da guitarra portuguesa, ergue então um novo marco da sua divulgação.
Os papéis voltam a inverter-se e agora Chaínho é convidado para acompanhar as maiores vozes contemporâneas. O cantor lírico José Carreras não dispensa a sua colaboração num concerto no Pavilhão Atlântico; Adriana Calcanhotto chamou-o para junto de si na última digressão que efectuou em Portugal e Maria Bethânia convida-o para se apresentar em espectáculos no Rio de Janeiro e São Paulo. No Brasil, em Itália, ou no Japão, António Chaínho insiste em divulgar a guitarra portuguesa. Em Portugal é o mentor de um projecto que acalentou durante doze anos: a Casa do Fado e da Guitarra Portuguesa e hoje é respeitado como um renovador da tradição que outros lhe deixaram.
Nos últimos dez anos tem sido acompanhado, à viola, por Fernando Alvim -- habitual parceiro de mestre Carlos Paredes para quem construíu os arranjos da maioria do seu reportório. Mas desta vez, António Chaínho faz-se acompanhar por Eduardo Miranda e Tuniko Goulart, músicos brasileiros radicados em Portugal. Em trio, dedicam-se a erguer pontes entre a música portuguesa e brasileira, encontrando-se no deleite próprio dos grandes tocadores de instrumentos de cordas; ou como quem explora uma química que torna cada espectáculo num momento irrepetível.
Por seu lado, desde a edição de “A Guitarra e Outras Mulheres” que Marta Dias tomou um lugar privilegiado ao lado de António Chaínho. Em disco e em concerto. “Fadinho Simples” demonstrou ser um dos temas fortes do álbum “A Guitarra e Outras Mulheres” e desde aí Marta Dias tornou-se uma parceira privilegiada nos seus concertos. No novo álbum, gravado ao vivo no Centro Cultural de Belém, ela é a única vocalista presente, emprestando o poder da sua voz à disposição de percorrer os caminhos da aventura. Por isso entra pelos domínios do jazz, da soul ou até da música brasileira, sem nunca evitar o fado. A sua presença tornou-se indiscutível. E a sua voz é hoje uma certeza ou um dos segredos menos bem guardados da música portuguesa, parceiro ideal para o mistério e a fantasia da guitarra de Chaínho.
Incansável na reinvenção da guitarra portuguesa, António Chaínho desde cedo entendeu fazer a ponte entre a tradição e a modernidade, única forma de resgatar o instrumento mais português ao esquecimento.

Afinal, ainda há noivas assim.

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