quarta-feira, novembro 02, 2005

 

TEIXEIRA DE PASCOAIS


Posted by Picasa Teixeira de Pascoaes é um dos autores mais importantes e enigmáticos do século XX. Amado por uns, criticado e mal entendido por outros, ignorado por alguns, esquecido por muitos.
Quando falamos do poeta situamo-nos dentro do coração de uma paisagem emocional: a obra de Teixeira de Pascoaes e o lugar que ela ocupa ou deveria ocupar no seio da Cultura Portuguesa, isto é, da Literatura, da Filosofia e da Teologia Portuguesas.
A sua obra monumental abrange e funde quase todos os géneros, desde a poesia até ao ensaio filosófico, político teológico, a novela, o teatro ou a biografia romanceada, também ela poética, filosófica e teológica, e experimenta até outras formas de expressão artística como a pintura.
Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos - ou Teixeira de Pascoaes de seu nome literário - nasceu em Amarante em 1877 no dia 2 de Novembro, segundo os registos oficiais, e faleceu no solar de Pascoaes, propriedade da família em S. João de Gatão, 75 anos depois, no dia 14 de Dezembro de 1952, onze meses após o falecimento de sua mãe.

O próprio poeta adoptou o dia 2 de Novembro, o Dia de Finados, como seu dia de nascimento, mitificando assim a sua vinda ao mundo. A família de Pascoaes pertencia à fidalguia culta nortenha. O seu pai, João Pereira de Vasconcelos, foi deputado, par do Reino, presidente da Câmara Municipal de Amarante, governador civil de Viseu e do Porto, e constituiu uma referência política e moral muito importante para Pascoaes, apesar das divergências, visto que era monárquico, enquanto o filho era republicano.
Sua mãe, D. Carlota Guedes Monteiro, foi uma referência afectiva e mesmo telúrica fundamental para o poeta. Quando faleceu, o poeta, desesperado, teria dito: “É um mundo que se acaba”. Pascoaes foi o mais velho de seis irmãos (eram, na verdade, sete, tendo o primeiro, de nome António, morrido aos dois anos de idade). Aos dois anos de idade foi viver para a Casa de Pascoaes, o solar da família em S. João de Gatão, lugar ao qual ficará indissociavelmente ligada a sua obra, a sua personalidade, a sua vida e ainda hoje a sua memória, cuidadosamente preservada pelos seus familiares e amigos.
Não terá sido pois por acaso que o poeta tomou para seu nome literário Teixeira de Pascoaes, unindo assim num mesmo destino a sua vida, a obra e a sua terra, como sítios de pertença a um microcosmos natural: a montanha mágica ou a Serra do Marão.
O nome Pascoaes constitui-se deste modo como uma morada espiritual do poeta e da poesia e também como um enigma que foi construindo ao longo dos 75 anos da sua vida.
A construção e o cumprimento do destino de Pascoaes parecem obedecer ao duplo princípio romântico da identificação da vida e da obra que deve ser entendida numa perspectiva, simultaneamente poética, literária e religiosa, bem dentro do espírito e da letra dos romantismos inglês e alemão.
Pascoaes passa, então, a sua infância em Gatão, a três quilómetros de Amarante. Em 1890, ano do Ultimato inglês, tem 13 anos.
O déficit da balança comercial atinge 5 milhões de libras. O país atravessa uma das mais graves crises da sua história. Alfredo Keil compõe a Portuguesa, que cedo se torna um hino popular, muito antes de ser o hino nacional, o que só virá a acontecer em 1911, ano da aprovação da Constituição Política da República Portuguesa.
No século XIX culmina também, a nível internacional, todo um processo de desenvolvimento científico e tecnológico, com sérias e revolucionárias consequências políticas e sociais.
O positivismo e o cientismo impõem-se como concepções filosóficas, a industrialização é considerada como a prioridade dos estados, as concepções metafísicas são ultrapassadas pela necessidade materialista do progresso, e pela crença nos resultados das ciências experimentais cujas aplicações tecnológicas se tornam rapidamente visíveis.
O cientismo e o positivismo parecem ser as consequências naturais do mecanicismo e do enciclopedismo da Idade Moderna e do século das Luzes. As ciências ditas exactas desenvolvem-se extraordinariamente, autonomizam-se, especializam-se, libertam-se do jugo tutelar da metafísica e da ética filosóficas num processo contínuo e extremamente rápido, cujas consequências negativas, só no século XX se farão inegavelmente sentir.
O cientismo e o positivismo, que Pascoaes criticará consagram um divórcio entre o homem e a natureza que será, aliás denunciado por muitos autores, que aliás parecem ter, em certa medida fascinado Pascoaes., como por exemplo, Nietzsche, Shopenhauer ou Bergson.
As grande metrópoles, com as suas cinturas industriais, símbolos do progresso científico-tecnológico moderno, não tentam o poeta. Pascoaes nunca se definirá a si próprio como um cidadão do mundo. Pelo contrário, desde muito cedo, a sua postura é a de um homem universal, habitante de um microcosmos natural - a Serra do Marão - em estreita conexão simpática ( conceito caro aos franciscanos e aos românticos ingleses e alemães) com o macrocosmos universal. Pascoaes foi, em larga medida, um ecologista antes do seu tempo, como notou Natália Correia.
Pascoaes frequenta depois as aulas no Colégio do Padre Sertório, em Amarante, e mais tarde o liceu. A família desloca-se, então para Amarante. Terá sido aos dezasseis anos de idade que Pascoaes terá começado a escrever os primeiros versos. È então aluno do liceu de Amarante. Dois anos depois publica o seu primeiro livro Embriões, em 1895, que virá a repudiar, em virtude de uma crítica negativa de Guerra Junqueiro, amigo do pai e seu ídolo de juventude. Pascoaes queimará todos os exemplares, excepto um que pertenceu a Sampaio Bruno e se encontra ainda hoje na Biblioteca Pública do Porto. A partir daqui começa a sua longa e rica vida literária durante a qual Pascoaes escreve, publica, reescreve, e reedita de forma quase ininterrupta até 1952, ano da sua morte. A sua bibliografia contém obras primas da Cultura Portuguesa e Universal, tais como, Sempre (poesia, 1898), Terra Proibida (poesia,1899), Jesus e Pã (poesia,1903), Vida Etérea ( poesia, 1906; contém a famosa Elegia reeditada em 1924 com o título Elegia do Amor, que Fernando Pessoa considerou como o mais belo poema de amor do mundo, As Sombras (poesia,1907), Senhora da Noite (poesia, 1909), Marânus (poesia,1911), Regresso ao Paraíso (poesia,1912), entre os anos de 1912 e 1915 publica uma série de conferências e palestras que proferiu no contexto do movimento cultural e político nortenho da Renascença Portuguesa de que é um dos membros fundadores, juntamente com Álvaro Pinto, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, entre outros. Publica ainda Arte de ser Português (prosa doutrinária e filosófica, 1915), Os Poetas Lusíadas (conferências realizadas em Barcelona, 1919), O Bailado (prosa aforística de1921), Cantos Indecisos (poesia, 1921), A Caridade (prosa, conferência, 1922), Livro de Memórias (prosa, 1928), entre 1930 e 1932 prefacia livros de outros poetas, São Paulo (prosa, biografia, 1934), Painel ( 1935, poesia, volume ilustrado por Almada Negreiros, amigo do poeta), São Jerónimo e a Trovoada (1936, prosa, biografia), O Homem Universal (1936, prosa, ensaio filosófico), Napoleão (1940, prosa, biografia), Santo Agostinho (Comentários) (1945, prosa, biografia, ensaio filosófico), Pro Paz ( 1950, num rasgo provocatório, Pascoaes participa com uma conferência, juntamente com Maria Lamas em favor da paz mundial, do movimento feminista e contra as armas nucleares) ... Estes são apenas alguns dos títulos maiores da sua vasta e multifacetada obra.Em 1895, data da publicação do seu primeiro livro de poesia, Pascoaes está já em Coimbra a frequentar o último ano do liceu. No ano seguinte matricula-se em Direito, mais por tradição familiar do que por vocação. Virá a formar-se, nesta cidade, seis anos depois. Da vida académica, Pascoaes parece ter apreciado, sobretudo a boémia, e o companheirismo. Pascoaes, com efeito, não se isola, pelo contrário, integra-se no tumultuoso, mas também romântico, ambiente académico. Frequenta as tertúlias estudantis, tem acento no Café Lusitano na mesa dos poetas, debate ideias, lê os seus versos, escuta o fado de Hilário, critica os lentes, é sócio fundador do clube Amicia, participando em conferências e debates. Entre 1910 e 1916, Pascoaes é um dos principais impulsionadores do movimento da Renascença Portuguesa e da revista A Águia de que dirige a parte literária. Entre 1913-14 envolve-se com o então jovem António Sérgio na célebre Polémica sobre o Saudosismo. Entre 1916-17, afasta-se dos cargos directivos que desempenhara n’ A Águia, e em 1918 viaja para Barcelona e Madrid onde realiza uma série de conferências, respectivamente, no Institut de Estudis Catalans da Cidade e na Residência de los Estudiantes, entusiasmando jovens poetas, entre os quais se encontra Lorca, com quem trava amizade. Desde 1899 que conta também com a admiração e a amizade de Unamuno que virá mesmo visitá-lo a Gatão. Durante a sua longa vida, Pascoaes foi ainda o objecto de inúmeras homenagens e tributos, tendo sido a que lhe foi prestada pelos estudantes da Academia de Coimbra, em 1951, porventura, aquela que mais o tocou. Em 1923 Pascoaes ingressa na Academia das Ciências, com Raúl Brandão, seu grande amigo, chegando mesmo a ser indigitado para o Prémio Nobel da Literatura.

A obra de Pascoaes conhece inúmeras traduções entre 1920 e 1950, numa época conturbada da história europeia, num tempo estranho aos recentes fenómenos do marketing literário, as traduções sucedem-se a um ritmo surpreendente. O poeta é traduzido para castelhano, espanhol, francês, checo, holandês, alemão e em húngaro. Muitos tradutores correspondem-se com Pascoaes, tornam-se amigos dele, vêm visitá-lo a Portugal. Importa salientar que a tradução alemã de São Paulo e datada de 1938 chegará a ser proibida e será depois clandestinamente divulgada por Zimmermann, como forma de luta e resistência contra o nazismo. Em Portugal, ao contrário do que sucede na Europa, as biografias de santos são mal recebidas. Geram polémica, críticas por parte de católicos e jornalistas, estranheza e incompreensão em torno da obra e do autor.
A escrita de Pascoaes é um lugar de fusão, de indistinção entre religião, literatura e filosofia porque é entendida - ela, a escrita - e praticada como uma religião especificamente portuguesa. Esta religião é devocional, não se explica, pratica-se, é-se. A obra de Pascoaes é uma arte de ser português, a revelação de uma devoção a Deus, por intermédio de uma Natureza transcendentalizada na imanência da Saudade revelada, que sempre foi a Musa assumida dos seus versos. Neste contexto se plasmam um complicado sistema de referências que aglutina as mulheres que o poeta amou, durante a sua vida, desde a sua mãe biológica, até a essa misteriosa Leonor, a que tantas vezes se refere, ao longo da sua vasta obra. O feminino ou Leonor

personagem fundamental, por exemplo, em Marânus) conhece diferentes versões que vão desde uma jovem empregada, morta aos quinze anos, até à relação platónica e epistolar que Pascoaes manteve em 1898 com Maria Fernanda Vilalva de Magalhães e Menezes, com a aldeã Emília, em 1908, ou com duas inglesas, em 1909, a última de nome Leonor Dagge, que o poeta não hesitou em seguir até Londres, inutilmente. São também de salientar, na vida do poeta, não só a presença de sua mãe, como da sua irmã, da sua sobrinha e secretária, bem como, nos derradeiros anos da sua vida, da sua filha adoptiva, Adelaide. Estas mulheres que vão acompanhando o poeta ao longo da sua vida convertem-se nas musas de muitos dos seus livros. Também os santos acerca dos quais Pascoaes escreve as biografias só são aquilo que são devido à discreta dedicação e presença de mulheres. No caso de São Paulo, de Lídia, ou de Paula, no que respeita a S. Jerónimo, ou de Mónica, em relação a Santo Agostinho. Parece, assim, haver um paralelismo de situações entre Pascoaes e as suas personagens.
A Saudade revelada pela totalidade da obra de Pascoaes aparece sob os traços atlânticos, e não mediterrânicos, de Nossa Senhora ou da Virgem Imaculada. Escrita e religião identificam-se numa proposta ética exemplar que se assume como o projecto lusíada no contexto europeu: a imitação do materno ou da Virgem.

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